- Mbânza Kôngo entre 1491-1885
A evangelização começa no Kongo de forma oficial em 1491: em Abril é baptizado Mani Nsoyo Nsaku Ne Vûnda; em Maio é baptizado o Ntotel’a Kongo Nzˆng’a Nkuwu. Em Julho, a mulher e o filho de Nzîng’a Nkuwu serão baptizado conjuntamente das pessoas que os Portugueses pensavam ser nobres no Kongo.
Em 1506, morre o primeiro rei cristão João I, Ñzîng’a Nkûwu, sendo sucedido por seu filho, Dom Afonso, Mvêmb’a Ñzînga, cuja sucessão foi reprovada pelos constitucionalistas kôngo mas, graças à força aliada dos portugueses, ele alcançou o trono. É na sua época que a Igreja será instalada na sua capital, doravante dividida em duas cidades: (i) cidade-aldeia, com os tradicionalistas em Madîmba; (ii) cidade europeizada, com os modernistas em Mbâzi’a Kôngo. Dom Afonso morre em 1543. Nkâng’a Mvêmba, Dom Pedro I – tido como filho de Afonso I – irá sucedê-lo em 1543, mas também será contestado, como tinha sido o pai. Vencido pelos seus rivais, em 1545, ele irá se refugiar na igreja São Salvador , escapando da morte (Cuvelier & Jadin, 1953:19).
Em 1545-1547, reina uma guerra civil que assola a capital e Dom Diogo I (o novo rei) estabelece um tempo de tranquilidade, que irá durar até 1561. Na verdade, era um “tradicionalista” que, por razões políticas e económicas, aceitava cinicamente o cristianismo. Ele personalizava a ambiguidade entre os “tradicionalistas”, que nessa época serão tidos como os verdadeiros cidadãos, e os “modernistas”, que eram assimilados aos “amigos dos estrangeiros”. Ambicionava uma diplomacia directa com o Vaticano, sem ter Portugal como intermediário, no que não teve êxito e, descontente com isto, expulsa todos os europeus, salvo alguns padres (no final de 1555 e início de 1556). Em Novembro de 1561, Dom Diogo I morre de forma trágica, e subirá ao trono Afonso II, um modernista que será mais tarde morto pela insurreição dos tradicionalistas contra os “estrangeiros” e aliados Kôngo.
A necessidade do consenso levou Bernardo I Ñzîng’a Mvêmba ao trono, que morre em 1567. Seu sucessor, Henrique I, reinará alguns meses apenas, morrendo em 1568. Álvaro I Lukeni lwa Mvêmba, que lhe sucede, reinará durante quase vinte anos, dispondo de uma diplomacia forte como plataforma de estabilidade. É durante o seu tempo que os guerreiros Yaka, os famosos Jagas, irão invadir Mbânza Kôngo (Vansina, 1966:421-429). Nesse período da invasão jaga, várias igrejas foram arruinadas, tal como se pode ler em Pigafetta. A de São Salvador será (re)construída e elevada ao estatuto de catedral, em 1596, e vários padres serão enviados para essa cidade. O rei Álvaro I enviará Dom António Manuel (Nsaku Ne Vunda), como seu embaixador junto do Papa, onde – depois da sua captura pelos piratas portugueses e espanhóis – chegará doente a Roma, morrendo no dia seguinte.
Da morte de Álvaro I, sucede Álvaro II, mas, entre 1613 e 1641, os monarcas kôngo são “fabricados” pelos modernistas ou tradicionalistas: uns são demasiado jovens (Dom Garcia I, 1624-1626) para a situação do reino; outros são de fato crianças (Dom Álvaro IV, 1631-1636). Nessa época, há presença de holandeses, franceses e outros europeus, que se interessam pelo comércio com Kôngo. Os holandeses chegarão a guerrear com os portugueses, na tentativa de expulsá-los do Kôngo (e Angola), logo no fim desse período. Rainha Nzîng’a Mbandi interviu.
Dom António I, Vit’a Nkânga, será coroado rei em 1661, depois de muitos monarcas assassinados. Por sinal, ele é um tradicionalista, cuja candidatura os padres europeus não aconselhavam, chegando alguns a orquestrar contra a mesma. Tudo isso porque ele intencionava expulsar do seu reino todos os europeus, tal como o fez Dom Diogo I (ver acima). Dom António I convoca todos Kôngo do país a lutar contra a opressão portuguesa. Todo Kôngo foi sensibilizado porque pensava assim terminar com a colonização portuguesa. A luta entre os modernistas e os tradicionalistas, favorece vitoriosamente os primeiros, na grande batalha de Ambwîla. Mas são as consequências que nos interessam: (i) os tradicionalistas, que saem da sua “cidade-aldeia”, irão pilhar a “cidade europeizada”, destruindo igrejas. Algumas desapareceram, sobrevivendo a Catedral de São Salvador, que tinha os “seus murros ainda de pé” (Cuvelier, 1953:57-62); (ii) a cidade europeizada “transformou-se numa floresta… não habitada… e abandonada aos animais selvagens” (Balandier, 2009:67). Nem tradicionalistas nem modernistas pretendiam lá viver jamais; (iii) o país contará, doravante, com três capitais: (a) de Mbânza Kôngo, que ainda permanecia no imaginário de todos; (b) abriu-se uma capital, a Kibângu; (c) uma terceira capital estava instalada em Kôngo dya Lêmba. O Papa chegou a reconhecer a capital de Kôngo dya Lêmba (por causa da sua Bula). Com as duas outras capitais, Mbânza-Kôngo ficou sem povoação. O “corpo religioso” e “corpo diplomático” sairão, então, de São Salvador, para a capital reconhecida por bula papal.
No princípio do século XVIII, surge um movimento “antonista” liderado por Chimpa Vita (geralmente conhecida por Kimpa Vita). Dos seus objectivos, conseguimos sintetizar os seguintes: (i) criar plataforma de negociação entre os tradicionalistas e os modernistas ; (ii) mobilizar as populações a reconhecer Mbânz’a Kôngo como capital e destituir os dois reis; (iii) preparar novas eleições. Infelizmente, em 1706, a líder deste movimento é capturada pelos padres Bernardo da Gallo e Lorenzo da Lucca para ser queimada viva (Batsîkama, [1969] 1999:31). Os poucos habitantes que já ocupavam Mbânz’a Kôngo irão fugir e se distanciar da “cidade europeizada”: Mbânz’a Kôngo ficava despovoado pela terceira vez.
Sua nova povoação passou a ser efectiva alguns anos antes (entre 1842-1884) e depois da Conferência de Berlim. Nessa altura, Mbânz’a Kôngo era uma parte de Angola, colónia portuguesa e sua povoação obedeceu a uma política colonial portuguesa de povoar as cidades. Primeiro, porque lá se encontravam algumas infra-estruturas a serem aproveitadas e, segundo, porque se construiu outras novas.
Durante essa época, as velhas cidades perdidas foram descobertas, inclusive os muros chamados Kulumbîmbi. A sua descoberta criou: (i) felicidade, porque existia apenas na oralidade com hesitações de localização, de modo a convergir as versões existentes; (ii) lembrança da união entre as populações, o que incentivou a povoação das próprias populações; (iii) responsabilidade acrescida da administração colonial em conservar a memória local. Mas tudo indica que a memória colectiva loca tem dificuldades em separar as duas cidades, porque ambas cidades pré-existem no comportamento psicossocial como “um todo”, assim como, quando os Kôngo evocam sua origem comum (Kôngo dya Ntôtila ou Kôngo dya Ngûnga ou ainda Ñkûmb’a Wungûdi…), reconhecem a pluralidade como base da sua união. Esta é atribuída a uma Mãe ancestral, Ngûndu ou Mazînga. Eis a razão pela qual os nativos de Mbânz’a Kôngo defendem que Deus terá construído Kûlumbîmbi.